José Henrique do Carmo (2015) Educação – Curitiba – Paraná

Nasci em Curitiba, em agosto de 1.945, meu pai era Euripides Carmo natural de Duas Barras, estado do Rio de Janeiro e minha mãe Cecy Maria do Canto Xavier e Oliveira, depois Cecy Xavier do Carmo, era natural do Rio dos Patos em Prudentópolis no Paraná. O meu avô paterno, Galliano Theophilo do Carmo casado com Anna Corina de Sousa,  era professor público em Duas Barras, município contiguo à Cantagalo no estado do Rio de Janeiro, o pai dele fora vereador, procurador da Câmara Municipal e Solicitador de Causas e Resíduos no município de Cantagalo, era filho de um cirurgião-mor nomeado pelo príncipe regente Dom João, futuro Dom João VI.

Um dos irmãos de meu avô era Julio do Carmo, um proeminente propagandista da República, companheiro de Lopes Trovão, Quintino Bocayuva, Barata Ribeiro, Nilo Peçanha, Silva Jardim e tantos outros subversivos republicanos, objeto do meu livro “1889 – A República esperada que não chegou”, editado em 2015.

Meu avô materno, Ildefonso Xavier de Oliveira Casado com Laurinda Oliveira do Canto, era natural de Passo Fundo no Rio Grande do Sul, era tropeiro, o seu pai se deslocou com a família da região de Campo Largo, no Paraná, para o município gaúcho onde fundou uma fazenda: a Três Capões.

No grupo familiar que se deslocou para Passo Fundo, estava um menino de 6 anos Francisco Marques Xavier, que mais tarde seria herói na Guerra do Paraguai – o coronel Chicuta – companheiro do major Floriano Peixoto, futuro marechal e segundo presidente da República.  Além de inúmeras peripécias na guerra, teve o privilégio de prender o último general paraguaio em armas, o general Caballero. Um herói paranaense na guerra do Paraguai, poucos o sabem.

Meu pai, advogado e jornalista, era funcionário do Ministério do Trabalho, ativo atuante no discurso sindical, teve até programa de rádio “A voz Sindical”, na pioneira PRB-2 e fundou o jornal “O Trabalho”, ao lado de Elbe Pospissil (pai). Muito atento a política era admirador da UDN e apesar do discurso de defesa trabalhista não gostava do Getúlio. Autor do livro “Salario Racional”, de 1942, que mal interpretado, daria origem ao salário família.

Minha mãe, por outro, lado era um pesquisadora nata, embora não tivesse curso superior, o que era natural para a sua geração, era genealogista de mão cheia, daí muitas informações de minha família. Dominava a língua inglesa com maestria, lia para mim criança, antes de dormir, livros como os do Tarzan, originais em inglês, com tradução simultânea.

Este era meu ambiente familiar ao lado de minha única irmã, Ana Regina, se orgulho posso ter ou até um pouco de vaidade, tenho um sentimento maior, fruto de uma casualidade do destino, que é o de me sentir privilegiado ao ter essa vivencia, num país onde o conhecimento sempre esteve relegado à segundo plano.

Em 1969, me formei em Ciências Econômicas na Universidade Federal do Paraná – UFPR, pretendia cursar engenharia, à época do vestibular estava envolvido com o saudoso Centro de Preparação de Oficiais da Reserva – CPOR, na arma de cavalaria, e fiz o vestibular de Economia imaginando fazer no ano seguinte o concurso para engenharia. Me identifiquei com o curso e esqueci a pretensão.

Durante o curso me envolvi com a política estudantil e fui presidente do Diretório Acadêmico Visconde de Mauá. Aí tive meu contato mais direto com a esquerda universitária. Num dos eventos, ao montar um centro de reprografia para reprodução de textos acadêmicos na sede do diretório fui surpreendido com um roubo, a esquerda levou os equipamentos para reproduzir textos de propaganda ideológica. Um dos envolvidos, embora eu não pudesse provar, levantava de madrugada para ouvir a rádio de Havana.

Recém formado, fui convidado pelo professor Dr. Ulisses de Campos, então diretor do curso, para substituir o professor da Disciplina de Economia Internacional Vilson Deconto, personagem que se destacaria mais tarde na política do estado, que se deslocava à São Paulo para curso de pós-graduação, mais tarde faria o doutorado em Barcelona. Fui jogado aos leões.

Dr. Ulisses era uma grande figura, quando auditor militar em plena época da ditadura, livrou muitos estudantes de problemas: “Isso é coisa de guri idealista, não apresentam problemas “, dizia ele.

Logo após a formatura fiz concurso para a TELEPAR, passei em primeiro lugar, empatado com outro candidato, este tinha ligação com o então governo Ney Braga, sobrou para mim.

Neste interim, trabalhando e no aguardo de um contrato pela Universidade, fui para o First National City Bank da cidade, uma grande escola, lá aprendi o pragmatismo e o acurado planejamento das atividades da instituição americana. Planejamento para 10 anos, relatórios objetivos: “guerra nuclear, no máximo 2 páginas”, diziam eles. Todos os procedimentos burocráticos definidos em livro. Lá inaugurei um setor de estudos e planejamento, efetuando estudos sobre a evolução das economias paranaense e nacional, tive na ocasião a oportunidade de calcular o custo do cliente pessoa física para a instituição, o que levou ao convite de encerramento de contas à muitos clientes.

Na iminência de ser oficializado no banco e com transferência em vista para São Paulo, pedi demissão. Licenciado, com remuneração da UFPR, fui ser bolsista da OEA-Organização dos Estados Americanos junto a Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro, onde fiz especialização em Comercialização Nacional e Internacional.

Após mais de um ano de trabalho sem remuneração assinei contrato pela CLT na UFPR, em setembro de 1971, sob o regime de 12 horas semanais. Aqui aconteceu um fato que nos fazem acreditar em “las brujas”, após mais de um ano trabalhando de graça resolvi pedir para sair, entrei na sala do Dr.  Ulisses e quando ia me dirigir a ele a respeito, ouvi: “o seu contrato acabou de sair”, me desarmou, acabei me aposentando na vetusta.

No retorno da OEA/FGV, agora trabalhando 20 horas semanais na Universidade e já concursado, fui convidado para trabalhar na Secretaria de Estado do Planejamento, pelo saudoso professor Dr. Belmiro Jobim Castor, que tinha como seu diretor geral o professor Dr. Vilson Deconto. Fui deslocado para o Instituto Paranaense de Desenvolvido Econômico e Social – IPARDES, onde coordenei um estudo multidisciplinar para o desenvolvimento econômico do Litoral e Alto Ribeira em convenio com a Secretaria de Planejamento da Presidência da República. Projeto desenvolvido em PERT/CPM, feito pela engenheira e economista Luzia Pires Ramos, de família ilustre de Paranaguá. A metodologia era utilizada pela NASA, para maximização de cumprimento de eficiência e prazos, em sua corrida de guerra fria. A minha experiência americana do banco, estava surtindo efeito, projeto terminado no prazo e com sobra de recursos. O resultado do estudo foi a criação da Mineropar, empresa pública para o desenvolvimento mineral do Estado.

Nesse meio tempo se implanta na UFPR, idos de 1975, a famigerada reforma universitária. Um sistema de créditos, requisitos e pré-requisitos entre disciplinas, cópia dos sistemas norte-americanos. Para pleno funcionamento havia a necessidade de maior oferta de disciplinas, para o aluno flexibilizar seu curso, no entanto, manteve-se o sistema seriado, primeiro ano, segundo ano e assim sucessivamente, incompatível com a proposta da reforma, o resultado era esperado, uma verdadeira bagunça. Fui ao jornal e denunciei as mazelas, faltavam professores e oferta de disciplinas, isso em plena ditadura, paguei o preço, não fui afastado da universidade provavelmente por minha ligação com Ulisses de Campos, mas era seguido, telefone censurado e um pouco de temor.

Quando fui pró-reitor de planejamento da UFPR, na gestão do Prof. Dr. Riad Salamuni, tive oportunidade de demonstrar as mazelas da malfadada reforma. Em estudo intitulado “Os alunos remanescentes da UFPR”, desenvolvido pela Prof. Dra. Silvia Araújo, minha chefe da divisão de assuntos discentes, verificou-se alunos com 12, 13 anos de universidade. A perola foi a descoberta de um aluno de engenharia que fazia o curso desde 1951 e que se garantia através de liminares. Um elevado custo social, a sociedade pagando pela ineficiência.  Assim funciona o setor público, lamentavelmente, a maioria não quer se incomodar e deixa o barco rolar. O resultado foi a retomada da possibilidade de jubilamento do aluno, regra há muito afastada da Universidade, e o aperfeiçoamento das regras propostas pela reforma universitária, anteriormente referida.

Nos idos de 1980, estava na Secretaria de Indústria e Comércio, na gestão de Fernando Fontana, ocasião em que se discutia as consequências da criação da Usina de Itaipú, com dados já levantados pela Secretária da Fazenda, elaborei um artigo que foi publicado na Revista Paranaense de Desenvolvimento do BADEP: “Os aproveitamentos do Potencial Hidrelétrico do Paraná e suas consequências “. De posse do artigo o então deputado federal Mauricio Fruet se interessou pelo tema encaminhando-o ao Prof. David Carneiro que publicou, em sua coluna na Gazeta do Povo, artigo sob o assunto, citando o meu texto. Aí teve início a vitoriosa campanha pelos royalties, encampada pela Gazeta do Povo, para compensar a perda de terras agriculturáveis inundadas. Tive o privilégio de ter o meu artigo registrado nos anais da Assembleia Legislativa do Estado.

Nesse período, por solicitação de Fernando Fontana, estruturei a Bolsa de Mercadorias do Paraná, como seu primeiro superintendente.

Superada a fase do regime autoritário se inaugura, na UFPR, a eleição direta para reitor, sendo eleito o Prof. Dr. Riad Salumuni, geólogo de grande prestigio, amigo que fizera nas minhas andanças de economia mineral, quando coordenava o projeto anteriormente referido sobre o Litoral e Alto Ribeira. Salamuni me convida para ser seu pró-reitor de planejamento.

Tive aí a oportunidade de buscar a maximização da utilização dos recursos orçamentários da instituição através da criação de sistema para distribuição de recursos, com a criação de indicadores gerenciais. Programa informatizado, desenvolvido pelo servidor da pró-reitoria, depois professor da escola técnica da Universidade, Luiz Antônio Cardoso. A distribuição de recursos, que antes obedecia critérios de natureza política, passou a ser alocado no rigor das necessidades.

Nesse meio tempo, venceu o mandato do superintendente da Fundação da Universidade Federal do Paraná para o Desenvolvimento da Ciência, Tecnologia e Cultura, órgão criado para flexibilizar algumas atividades da Universidade. A pedido do reitor Salamuni, assumi a Superintendência, acumulando a pró-reitoria, praticamente como interventor, o boato de mal feitos era muito grande.

Contratei uma auditoria e chamei o ministério público, responsável pela prestação de contas das fundações. O auditor Bessa ao assinar o contrato me disse: “Professor: só vou cobrar as despesas, devo muito à Universidade, não fosse a sua gratuidade e o restaurante universitário eu não estaria aqui, agora”. O promotor indicado, para minha surpresa, foi o Dr. Edson Vidal Pinto – mais tarde seria presidente do Tribunal Regional Eleitoral -, que tinha sido meu colega de colégio e do movimento escoteiro. Verificado os primeiros resultados Vidal convoca a Polícia Federal. Resultado final, condenação de dois altos dirigentes universitários a penas de prisão, em primeira instancia. Fato que não me traz orgulho nenhum, mas sim um profundo constrangimento.

Em minha passagem pela pró-reitoria, em auditagem, verifiquei inúmeras mazelas da instituição, servidores da imprensa universitária vendendo serviços ao público, compras de produtos em excesso, como o caso do Hospital de Clinicas que havia comprado fios de sutura para cirurgia muito além das necessidades, tendo em estoque uma fortuna de fios com validade vencida. Equipamentos novos de veículos da universidade, como pneus, baterias e etc., eram substituídos por velhos dos carros dos malfeitores. Daí a criação, pela pró-reitoria, da Central de Transporte da Universidade, num esforço de evitar os mal feitos e maximizar a utilização dos meios de transporte.

Meu desempenho estava me credenciando a concorrer a reitoria da Universidade o que levou a uma reação da esquerda universitária, representada pelo chamado “movimento dos professores”, do qual eu não fazia parte. Eu brincava com o Salamuni: “A sua administração é violino, segura com a esquerda e toca com a direita”, – embora me considere social democrata – mas a música acabou. Solicitei ao reitor o meu afastamento, dos nove diretores de setor, oito foram solicitar ao Salamuni que não aceitasse o meu afastamento, o que não foi considerado. A minha substituta ligada à esquerda acabou com a distribuição de recursos baseada nos indicadores gerenciais, voltou tudo como era antes.

Voltei ao Conselho Universitário, mais precisamente no Conselho de Ensino e Pesquisa órgão que compunha o conselho maior da Universidade e lá via a instituição ser cada vez mais politizada, não no sentido da maior promoção do conhecimento, mas da política partidária de esquerda.

Agora, professor em dedicação exclusiva, fiz o mestrado em Desenvolvimento Econômico na UFPR, a primeira dissertação de mestrado, na área de economia, defendida em instituição paranaense. Apresentei uma tese envolvendo a Biofill, empresa paranaense produtora de pele artificial, no trabalho: “Inovação e capitalismo monopolista: o caso da Biofill”. Neste período, dei uma força para o Conselho Político da Associação Comercial do Paraná, como assessor econômico, nas gestões de Maria Christina de Andrade Vieira e de Eduardo Guy de Manuel.

O professor Dr. Luiz Carlos Nascimento Tourinho, então diretor de Setor de Ciências Agrarias, se candidata à reitoria e me convida para ser o seu vice na chapa. Concorremos e vencemos com grande votação de professores e servidores, mas em uma manobra de última hora, provocada pela esquerda, no momento da apuração dos votos, apesar dos esforços de nossos fiscais, perdemos para os alunos. A fórmula que ponderava os votos não nos foi favorável. Os votos foram guardados em armário na sala do reitor, não houve jeito para a recontagem dos votos. A esquerda estava vencendo, de forma escusa, no seu esforço de tomar toda a estrutura de ensino do país, onde a votação direta para reitor é um instrumento.

Como se pode gerir com eficiência uma Universidade onde servidores e alunos votam para eleger todos os seus principais dirigentes? Como pode o dirigente tomar decisões que podem contrariar os seus eleitores? Passa-se a ter um sistema altamente corporativista, onde dirigentes passam a ter mais preocupação em manterem-se em cargos que administrar com máxima eficiência.

Agora, nas Universidades, superada a fase da esquerda revolucionária, da luta armada, preconizada pela esquerda radical, passa-se à tentativa da conquista democrática do poder pela cartilha de Gamsci. O movimento de esquerda radical, encarado dessa forma, é uma religião, não existe argumento que a derrube.

Sou casado com Maria Walderez de Carvalho de Menezes, socióloga, pós-graduada em planejamento urbano e pai de Mariana Carvalho de Menezes do Carmo, bióloga e nutricionista.

Só tenho um arrependimento em minha vida: as coisas que deixei de fazer.

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