Nasci em Lins, interior de São Paulo, em 8 de maio de 1941, e quando acabou a guerra tinha quatro aninhos. Lá era um calorão, mas eu caí fora, vim para Curitiba com 17 aninhos, porque não sei, destino, sei lá eu.
Vim pra cá com mais dois vestibas, chegamos aqui no dia 18 de dezembro de 59, morávamos num quartinho infecto ali na praça 19 de dezembro. Chegamos à tarde e dormimos, no outro dia acordei pulando na cama com tiros de canhão. Falei: ‘Meu Deus! O que é isso? Começou a guerra?’ Eu desconhecia que dia 19 é a data em que o Paraná se separou de São Paulo. A praça se chama 19 de dezembro exatamente em comemoração, aí já comecei a aprender.
Ali todo mundo era duro, comíamos, às vezes, na casa do estudante, quando deixavam, outras vezes na UPE (União Paranaense dos Estudantes), quando não comia em lugar nenhum a gente ia ali no comercinho da Riachuelo na loja de um turco nosso amigo, comprávamos um cacho de banana, colocávamos atrás da porta e banana, banana, banana, pra estudar 20 horas pra passar no vestibular.
Eu conto isso por que? Porque a pessoa hoje me vê como presidente da minha empresa Positivo pensa que essa encrenca caiu do céu. Mentira! Todos os sócios tiveram uma fase, uma vida difícil, foi muita luta para que tudo isso ocorresse.
Estudei, estudei, estudei, passei em biologia. Nasci biólogo, lá no interior de São Paulo, eu criava abelhas, fui apicultor, criava coelho, embalsamava os animaizinhos, aprendi taxidermia sozinho, tirava fotografia, Nossa Senhora! Eu tinha muitos primos, os avós, uma família grande, subia em mangueira, em jabuticabeira, jogava futebol na rua, dava curto circuito nos fios de luz que passavam perto, aquela vida de interior né? Esses carimbos ficam na vida da gente, e com 17 anos eu vi que aquele lugar não me agradava, nunca gostei de calor, falei: “vamos cair fora daqui!”, vim estudar administração e passei em biologia na PUC.
Quando falo em PUC o pessoal pensa na universidade hoje, não, PUC era ali do lado do Guaíra, só aquele predinho, os maristas moravam numa esquina e o resta era PUC, por incrível que pareça a PUC nasceu ali e lá que estudei, fiz os quatro anos de biologia, depois fiz uma pós graduação em orientação educacional de mais dois anos, uma porcaria que não serviu pra nada, mas continuei fazendo e, logo em seguida, como eu me destacava muito, os maristas me chamaram para dar aula lá, de didática especial. Dava aula para as turmas de química e biologia, professores fantásticos, o professor Lang que faleceu recentemente, Jaime Loyola, professor Hertel, Salamuni, só gente expoente.
O curso de hoje acho que já mudou, era muita decoreba, coisa idiota, uma via sua caixinha, uma via sua árvore, mas ninguém via a floresta, a biologia é linda, mas não precisa de tanta decoreba. Mas foi isso que eu fiz né. E quando me formei aconteceu uma coisa engraçada, só tinha uma possibilidade: dar aula, ou ir para carreira universitária, fazer pesquisa e dar aula, não tinha outra coisa. Só 15 anos depois que me formei é que foi criado o Conselho Regional de Biologia, imagine!
O que eu fui fazer? Fui dar aula. Muito bem, por que os melhores colégios de Curitiba me procuraram? Um recém moleque saído da faculdade? Porque eu sempre fui por natureza um contestador, eu queria fazer coisas diferentes. O colégio Atheneu, o CEFET, o colégio Marista, o colégio Medianeira, todos me procuravam para dar aula, puxa vida, em todos que eu ia fazia coisas diferentes, aí fiz o concurso para o Colégio Estadual do Paraná (CEP), dois concursos eu fiz lá, de biologia e de ciências. Biologia passei em segundo lugar e ciências eu passei em primeiro lugar, duzentos e tantos candidatos, quer dizer, já era Caxias, já fazia tudo que era curso, molecão, mas sempre revolucionário, sempre procurando mudar, fiquei lá uns 6 ou 7 anos. Os colegas mais velhos, me colocaram como coordenador de biologia no lugar do doutor Alcione Veloso, famoso, e também revolucionei, pegávamos os alunos e fazíamos excursões, daqui para Antonina de trem, levávamos os alunos para ver cadáveres ali na faculdade de medicina que é bem no centro, no museu David Carneiro, levava pra praia coletar animais, reformei laboratório, fiz a primeira apostilinha de biologia, o Positivo nem existia nessa época e eu já fazia apostila e a renda era para os próprios colegas, vendia na cantina do colégio. Fui coordenador da TV educativa do CEP, participava da FEMUCI, as famosas feiras de ciências que eu ajudei a criar, fazia pesquisa, pesquisa… então, um dia, comecei a escrever livros pra uma editora em São Paulo chamada IBEP. Quando falo escrever livros não esqueçam que eram livros que fazia aqui em Curitiba, no mimeografo a álcool. Eles caíram na mão deles, gostaram e começaram a editorar, editar, o IBEP na época era uma editora famosa, uma das melhores do Brasil, hoje ela tá lá pra baixo, lá eu fiz acho que 18 títulos, três coleções de ciências de 5ª a 8ª, todas diferentes uma da outra, e mais quatro de exercício, e sabe quanto vendeu? Vinte milhões de livros enquanto durou. 20 milhões de livros, aí vocês vão perguntar: Mas por que vendeu tanto? Porque fui a pessoa que mais vendeu livro de ciência no Brasil, ciências naturais, na época a 5ª a 8ª e agora é 5ªa 9ª e o Celso Antunes, que é meu amigão hoje, vendia mais em geografia, é o Celso em geografia e eu em ciências.
O livro que eu dava aula de ciências do Colégio Estadual do Paraná e em outros colégios é um livro do Coimbra Duarte de 300 páginas, branco e preto, nome, nome, nome, e só nome, o corpo humano tem 206 ossos, eu falava o nome de um por um, olha que coisa nojenta, decoreba, é bom lembrar quem trouxe a decoreba pro Brasil: padres jesuítas, não quero entrar nesse negócio, mas até hoje esse continuísmo nos contamina e não serve pra nada, informação não é conhecimento, senão o Google seria um gênio né? Conhecimento surge a partir do que você faz da informação. Falta informação hoje? ‘Se beber não dirija’. “Use camisinha para não pegar doença sexualmente transmissível, fazer filho”. Falta informação? Não! Mas por que acontece? Então informação não é conhecimento e muito menos sabedoria.
O que eu fiz então? Eu fiz uma “lipoaspiração”, reduzi para metade o número de páginas. E a segunda coisa fantástica: introduzi história em quadrinhos, HQ no livro didático. Já ouviram falar nas cavernas, pinturas rupestres, já tinha lá Ziraldo, o menino maluquinho, então história em quadrinho é fantástico, a pessoa aprende prazerosamente: foi por isso que venderam 20 milhões, porque fiz lipoaspiração e eu desenvolvi uma maneira agradável de aprender. Depois eu criei uma editora chamada Lago, com o meu nome, não fui eu que criei, foi esse dono do IBEP, porque ele tinha essa editora, mas brigava muito com o governo na hora de vender livro. Ele disse: “eu vou criar uma editora com o teu nome Lago, ninguém sabe que eu estou por trás”. Vendi mais 24 milhões de livros, na minha chácara aqui em Campina Grande do Sul e trabalhávamos lá com os autores todos né. Então você veja; não sou Paulo Coelho, mas já passei de 44 milhões de livros vendidos, por que? Porque tem que ter diferencial, fazer é fácil, quero ver vender depois, fazer livro pra traça comer é perder tempo.
Muito bem, eu estava onde? Haa! Colégio Estadual do Paraná. Quando falei que ia sair, depois de uns 5 ou 6 anos que fiquei lá, fiz toda aquela revolução que eu falei pra vocês, escrevi, comecei a vender livros, vendia milhões, começou a entrar dinheiro e eu vi que aquele mundo lá de funcionário público era uma coisa muito restrita, pequena. Quando eu falei para os meus colegas, que ia embora cuidar da minha vida, isso tudo antes de fundar o Positivo, falaram: você é louco, aqui você tem estabilidade. Respondi: mas eu quero instabilidade. Duas coisas que matam o ensino. O capeta que deve ter criado isso: isonomia salarial, todos ganham igual; e segurança, ninguém pode te mandar embora, ser concursado então tanto faz você ser esforçado como não ser esforçado todo mundo vai ganhar igual. Virou essa “M” que vocês conhecem porque não é meritocracia, não é foco, não é objetivo a atingir. Quando eu trabalhava no Estadual tratava aquilo como se fosse a minha escola particular. Depois de tudo isso, vem a criação do Positivo em 1972. Nós éramos oito sócios, depois quatro saíram ao longo do processo porque quiseram depois entrou mais outros, mas inicialmente eram oito, 4 idealistas e eu era o mais velho. Na época tinha 30, os outros 25, 24, 26, um bando de moleques, sonhadores, duros, mas com um foco, um objetivo, vamos fazer algo de diferente. Antes dei aula no Bardhal, no Dom Bosco, naquela época, quem é de mais idade lembra disso eram 3 áreas; Camões na área humanas, o Dom Bosco na área de exatas e Bardhal na área biológica, não tinha prova teste, a prova era toda escrita, era tudo diferente. Bem, o Dom Bosco falou: além da aula de exata eu quero entrar na área do Bardhal lá na biológica, e convidou essa turminha, para começar a dar aula, criar no Dom Bosco a área biológica. A primeira sala de aula: Edifício Asa no centro da cidade, 19º andar, 3 ou 4 salas pequenas, foi ali que começou o Dom Bosco medicina. Ficamos lá alguns anos, aí eles mudaram, deu tão certo que foram para a Galeria Andrade, ali perto da Universidade Federal. Eram salas maiores. Ficamos lá alguns anos, aí o Bardhal nos convidou para ir pra lá, aí muito aluno saiu atrás da gente, foi uma turma chamada BARDOSCO, mistura de Bardhal com Dom Bosco, fizemos um contrato por dois anos e em seguida, venceu, aí que nós criamos em 72 o Positivo.
A minha primeira colaboração específica dentro do Positivo, foi ter criado a mãozinha, foi ideia minha, no boteco, eu estava lá com os futuros sócios, futuros fundadores, o que acha do nome? Falei: positivo, depois Rettamozo o design famoso, criou a mão assim, mas é claro que quando eu falei o nome positivo fiz assim (positivo com a mão), e eu criei esse nome para opor ao Objetivo na época, que já existia e que era muito potente. Então falei: Positivo, por que não? O dinheirinho que nós guardamos não dava pra abrir nada, fomos procurar uma sede, eu estava andando com o professor Arold Brand, que foi nosso sócio, e foi meu professor de genética da faculdade católica, então passamos na Vicente Machado, em cima do supermercado Real, uma escada, fomos lá olhar, estava para alugar. Ali fizemos três salas de 300 alunos mais uma parte de secretaria, só que não tinha dinheiro para comprar as carteiras. Para alugar o prédio, eu e o Brand éramos os dois sócios que tinham uma casinha própria e tivemos que penhorar.
A Universidade, hoje tem 30 cursos, estamos com mais ou menos 23 mil alunos na Universidade Positivo. Então para se ter sucesso no empreendedorismo tem que ter visão, inovação, arriscar um pouco, muito planejamento, muito talento, muita coisa a oferecer. Ser igual no mercado não vai trazer nada de novo. Quem conhece a nossa universidade fica entusiasmado, veem o teatro Positivo, veem o centro de exposições, é algo que gosto de ver. Um pensamento fantástico diz que a educação não é preparação para a vida, a educação é a vida. Então temos que preparar para a vida, temos que dar capacitação. Na Finlândia a partir de 2017 não tem mais nenhuma disciplina. Os alunos trabalham em conjunto com o projeto, igual a Escola da Ponte em Portugal fundada por José Pacheco, meu amigo querido. A Escola da Ponte é uma coisa maluca, fica na Vila das Aves no norte de Portugal, perto da Cidade do Porto. Eu lá fui visitar, eu já tinha escrito sobre Escola da Ponte, mas não tinha visitado, cheguei lá e fiquei doido, não tem quadro negro, não tem professor, não tem horário, não tem prova…, mas que escola louca é essa? Tem mais de mil no mundo! no brasil temos 200 tentando. Tudo trabalhando com projeto, tudo integrado.
Eu tenho três filhos, Samuel mais velho, o Paulo e meu filho do meio e a Thais a minha filha mais nova, filhos da minha esposa Margot. Tenho cinco netos: Enzo e Pietro, filhos do Samuel; Maria Luiz e Bruno, filhos do Paulo e o Luigi, esse netinho, filho da Thais, que nasceu com essa síndrome genética, e era para ter vivido dois aninhos está mas está com 12, e ele é mantido por aparelhos, uma sonda, o cérebro funciona, sabe ler, pede para ler um livro por dia e adora música, sabe cores, sabe matriz. E falando nesse neto, as pessoas que vão visitá-lo, saem de lá às vezes chorando, eu falo: está vendo? A pessoa fala estou com problema com a esposa, problema com o filho, problema com dinheiro, problema com os amigos, mas o problema que tem solução não é problema.
Hoje minha companheira de todos os dias é a querida Laura.