“Erlei. Foi assim que chamei meu avô paterno pela primeira vez. Ele tinha 57 anos. Eu, nem um sequer. Era este pirralho babar, que o sisudo senhor babava de volta, tirava os óculos enormes e sorria. Naquela época, eu não fazia ideia de que aquele homem corpulento que fazia caretas para mim – e só para mim – era José Wanderley Dias, jornalista, professor, presidente do Conselho Estadual de Educação, advogado-chefe do departamento jurídico da Caixa Econômica Federal no Paraná, entre muitas outras atividades e títulos. Para mim, era só o vovô Erlei. Um rosto familiar, que se contorcia em caretas familiares.
Estava ainda na barriga da minha mãe quando devo ter ouvido pela primeira vez a voz grave de meu avô, fazendo graça: “Vinícius, não ‘demorais’ (de Moraes)”. A pedido, não demorei mais que o normal e quando resolvi ir ao encontro do dono daquela voz forte, ele me recebeu de braços abertos e com uma homenagem publicada aqui mesmo, neste jornal. Meu avô Wanderley escreveu por cerca de 20 anos uma coluna na Gazeta do Povo, intitulada “A Vista do Meu Ponto”, e a vista que ele teve no dia 12 de maio de 1982 era do menino aqui, recém-nascido. No dia seguinte, foi publicada a crônica “Algumas Coisas que Vou Fazer”, em que meu avô conta sobre as mudanças que aconteceriam em sua vida depois do nascimento de seu primeiro neto. “Não se espantem, por exemplo, quando me virem, ainda que pondo os bofes quase sexagenários pela boca, tentando dar voltas correndo pela Praça do Japão e cercanias”, escreveu. Confesso que não lembro dele correndo atrás de mim, mas recordo de vê-lo deitado na grama da Praça do Japão, tirando uma soneca. Ele roncava. Eu ria.
Infelizmente, não convivi muito com meu avô Wanderley – ou não tanto quanto eu gostaria. O imponderável da vida me levou a viver, desde muito cedo, longe dele e de sua musa, minha divertidíssima avó Neuza (que conheceu ao fazer um teste com ela, rádio-atriz, para uma das rádio-novelas que escrevia na Rádio Guairacá). Sempre que nos víamos, no entanto, aprendia algo novo. E quando eu, nervoso por estar diante do mestre, acertava a resposta para suas perguntas, ele sorria e dizia: “É um caroço”. Hoje sei que me elogiava. Na época, ficava meio ressabiado, imaginando-me dentro de um abacate.
Amanhã faz 15 anos que ele se foi, ao lado de minha avó – “assim na terra como no céu”. Os dois morreram no dia 9 de julho de 1992, em um acidente automobilístico quando viajavam a Minas Gerais, estado natal de meu avô. Como sempre fazia quando viajava, ele deixou na Gazeta algumas crônicas para serem publicadas enquanto estivesse fora. A escolhida para aquele fatídico dia 9 de julho, sem qualquer interferência que não a do destino, chamava-se “Se eu Morrer… Quando eu Morrer”. Confesso que até hoje isso me arrepia, assim como o fato de que era para eu e meu irmão termos feito aquela viagem com meus avós. Não me recordo porque não fomos. Recordo-me, sim, com muita saudade, das caretas que nunca mais vi. Que Deus a tenha, vó Neuza. Que Deus o tenha, vô Erlei. Até algum dia.”
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Ele escreveu: “Sonhar, eis a receita”
Eu gostaria muito de ler novamente.
Gostaria de reler Um beijo no crucifixo de sua autoria e publicado na Gazeta do Povo