João Batista Marchesini (2016) Medicina – Curitiba – Paraná

No meu último dia, quando for embora desta vida, quero levar comigo o que a mim de mais precioso foi: a vida que eu vivi. De nada me arrependo, se pudesse viveria tudo de novo.

Meu nome é João Batista, pois nasci em 24 de junho de 1941 em Curitiba e recebi o nome do santo do dia. Sou Marchesini, pois nasci nesta honrada família.

Nasci num lar diferente. Meu pai, viúvo de 58 anos, Caetano Marchesini, filho de Antonio Marchesini e Irene Romanato Marchesini, e uma jovem de 17 anos, Olga Marchesini filha de André Sicuro e Celeste Sandrini Sicuro, formaram uma sólida união. Fui o último filho deste casal. Quando eu vim ao mundo, meu pai já estava com 74 anos.

A disparidade de idade me foi custosa. Fiquei órfão aos 3 anos e fui criado pela minha mãe sempre me afirmando: você não tem pai, você é responsável por seus atos e ninguém irá defender você nos seus erros. Com esta responsabilidade eu cresci.

Precocemente, aos 17 anos passei no exame vestibular para medicina, arranjei meu primeiro emprego como professor de Química Inorgânica no Curso Oswaldo Cruz, preparatório para vestibulares, fiquei noivo aos 19 anos e com 20 anos já estava casado.

Elvira Dallegrave Marchesini, filha de Geraldo Dallegrave e Leoni Isfer Dallegrave, minha esposa e eterna namorada, minha companheira nas horas boas e más destes quase 59 anos de casados me presenteou com três maravilhosos filhos: João Caetano, Simone e Giancarlo. Os prêmios não pararam aí; continuaram com meus queridos netos João Caetano, Luca, Leonardo e Antônio. Todos frutos de muito amor.

Meu filho João Caetano é um afamado, competente e respeitado cirurgião. Minha filha, Simone, psicóloga experiente, muito capaz, muito estudiosa, tem vários livros publicados em sua área. Meu filho Giancarlo, Zootecnista, é meu companheiro de motociclismo. Meus netos já são adultos. João Caetano é advogado, bastante ativo em sua profissão. Luca é estudante de Direito. Leonardo é estudante de Odontologia. Antonio, o mais novo, terminou seu nível médio e é apaixonado pelo mercado de valores.

Esta família sempre foi a razão de toda a minha vida. Por eles lutei, por eles vivi, por eles fiz todos os sacrifícios. Tenho muito orgulho de nossos filhos. Formei-me médico em 1964, já casado, tendo João Caetano com 3 anos e Simone por chegar, eu dava plantões no Pronto Socorro do Cajuru, auxiliava cirurgias de vários médicos da época, estagiava no Hospital de Clinicas, onde se iniciava a residência médica em Cirurgia. Sou grato a figuras como João Vieira de Alencar, Walfrido Meirelles Leal, Almyr Edmundo Cordeiro Cortes, Hamilton Calderari Leal entre outros que muito me ajudaram no início de minha profissão.

Graduei Médico em primeiro lugar durante o Curso e recebi a Medalha de Ouro Nilo Cairo, Prêmio Hidelbrando de Araújo e Prêmio Erasto Gaertner.  Ninguém venha a me dizer que trabalhar tanto para o sustento da família impede que se faça um bom curso superior.

Em 1967, fui admitido como Auxiliar de Ensino na II Cadeira de Clínica Cirúrgica da Universidade Federal do Paraná e em 1968 parti para os Estados Unidos da América para Residência em Cirurgia no Graduate Hospital da Universidade da Pennsylvania.  Em 1971, fui para a Inglaterra para Residência em Cirurgia Torácica.

Foram anos difíceis. Casado e com dois filhos, nasceu Giancarlo, nosso terceiro, lá nos Estados Unidos. Ganhava pouco para o sustento da família. Várias vezes tive ímpetos de voltar ao Brasil. Elvira me dizia: “nada de voltar. Se quiser volte sozinho. Fico aqui com as crianças”. Era a forma que usava para me dar forças a continuar na labuta diária.

Dei meu sangue, literalmente, para a família. Doava sangue em Banco de Sangue nos fins de semana para ter um ganho extra. Era uma forma de dar-lhe um pouco mais de conforto. Quantas e quantas horas roubei de Elvira e dos filhos para trabalhar, estudar e crescer profissionalmente. Elvira foi muitas vezes solitária na educação deles. Nunca me cobrou nada.

Graças a todos estes sacrifícios galguei postos universitários de Professor Assistente, de Professor Adjunto, Mestre e Doutor em Clínica Cirúrgica e finalmente, fui laureado com o titulo de Professor Emérito da  Universidade Federal do Paraná. Hoje, vendo um grande volume de diplomas, publicações, livros editados, prêmios e medalhas recebidas enxergo neles as horas de sacrifício de minha família. Valeu a pena. Ganhei o respeito deles e servi de exemplo às suas carreiras profissionais, ao valor pelo trabalho e à dimensão correta pelos valores morais e cívicos. Fiz valer o aforisma: “se a palavra convence o exemplo arrasta”.

Sempre tive o ímpeto do pioneirismo. Na década de 70, modifiquei o conceito da cirurgia da úlcera péptica. Fui um dos primeiros do Brasil a fazer a vagotomia superseletiva, poupando muitos estômagos dos pacientes. Na década de 80, fui um dos primeiros a realizar a cirurgia videolaparoscopia. Na década de 90, fui o segundo no Brasil a iniciar a cirurgia bariátrica para os obesos mórbidos. Na primeira década deste novo século, fui destaque na cirurgia videolaparoscópica para obesidade mórbida, fui Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, fui Presidente deste sodalício e finalmente elevado a Membro Emérito.

Neste mesmo período, fui pioneiro no “turismo cirúrgico”. Recebi durante uma década muitos pacientes vindos dos Estados Unidos e do Canadá, alguns da Europa e da Ásia para cirurgia bariátrica. Isto foi a recompensa de eu ter o Diploma de Especialista em Cirurgia nos Estados Unidos da América do Norte (Diplomate of the American Board of Surgery) conseguido após dois difíceis exames (oral e prático) feitos na terra do “Tio Sam”. Para isto também ajudaram os títulos de Fellow of the American College of Surgeons, Fellow of the American Society for Metabolic and Bariatric Surgery e também da International Federation for Surgery of Obesity (IFSO) entre outras láureas internacionais. A Internet deixou o mundo muito pequeno.

A minha vida associativa na área médica foi intensa. Sou Membro Fundador do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva, fui Membro Titular e agora Emérito do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, fui Vice-Presidente da Federação Brasileira de Gastroenterologia e Presidente da Sociedade Paranaense de Gastroenterologia, Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Cirurgia Laparoscópica, agora Robótica, Mestre do Capitulo do Paraná do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, fui Conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Paraná, Membro da Diretoria da Associação Medica do Paraná entre outras atividades associativas. Fui agraciado com o Título de Vulto Emérito de Curitiba e de “Bicho do Paraná”.  Sou também Membro Titular e ex-Presidente da Academia Paranaense de Medicina.

Quero deixar registrados os nomes de Celso Javorsky, Teresa Cristina da Cunha Telles e Marcela Franco Macedo Leão que completam a vida de meus filhos. Meu genro e minhas noras. Como dizia a minha querida mãe: “Quem a meus filhos agrada meus lábios adoça”. Muito obrigado.

Sou motociclista desde 1976, Harleyro de coração e torcedor do Coritiba, meio desanimado neste momento. Precisamos mais vitórias.

Passados quase 55 anos de profissão, resta uma lembrança de horas intensas vividas nas salas de cirurgia, dos casos difíceis que enfrentei, das vidas que me foram colocadas nas mãos, nos segredos e confidências que escutei, na confiança em mim depositada. Sou grato a todos estes pacientes dos quais muitos já esqueci dos nomes. Perdoem-me, foram milhares. Lá nos primórdios, manipulei corpos inertes, cadáveres anônimos.

Quantos foram pais, filhos, cônjuges, companheiros e amigos desconhecidos que o tempo apagou. Agradeço a eles. Que Deus os tenha ao seu lado. Foram úteis. Muitas vidas foram salvas pelos ensinamentos aí aprendidos.

Comments 8

  1. Tive a honra de organizar o evento citado por ele . Congresso Brasileiro de Cirurgia Bariátrica e Metabólica no ano de 2007 em Curitiba. Com ele aprendemos muito. Tenho muito orgulho por ter tido esta oportunidade e da mesma forma que ele mencionou o governador eu posso citar que após este evento tivemos uma alavancagem na empresa.Basta uma referência do Dr. Marchesini e as portas se abrem , principalmente por se tratar de uma pessoa exigente, integra e de um relacionamento muito fácil.
    Além de ouvir constantemente referências boas de seu trabalho em todas as áreas médicas que trabalhamos, constatamos o ser humano maravilhoso que ele é . Aproveito este momento para agradecer do fundo do meu coração a oportunidade de podermos compartilhar com ele um momento importante que foi o de ser o Presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Presidente do Congresso.
    O Brasil é privilegiado por ter um cirurgião como ele.
    Homenagem merecida a quem muito respeito!
    Lucia Camargo
    Praxis Eventos

  2. PARABÉNS MESTRE !!! Fica aqui registrado o orgulho de uma brasileiro para um professor emérito com projeção internacional , que teve uma participação ativa junto à nossa sociedade brasileira .
    Assim vamos nos enchendo de orgulho…
    Que DEUS lhe dê muita saúde física e mental ,para que possa gozar com felicidade ainda vários anos ao lado de seus queridos.
    Papai ( Ricardo Veronesi)professor emérito da disciplina de moléstias infecciosas e parasitárias da faculdade de medicina da Universidade de São Paulo,diria:-“esse é um colega de peso”! Abraços

  3. Parabéns Dr João Batista, aeus feitos são de reconhecimento público w muito me orgulha o seu pleno sucesso.

  4. Parabéns, João. Deixo aqui um grande abraço e saudades dos amigos da turma de Antonio Carlos Pantano ! Se possível, mande um abraço a sua esposa , filhos e amigos do Paraná.
    dodé

  5. Era início dos anos 70. Cheguei em casa e vi o médico que atendia meu pai bastante aflito. Foi dizendo que a situação era grave. Meu pai tivera úlcera estomacal rompida; com hemorragia precisava de cirurgia urgente. Cheguei com ele no Hospital São Vicente e vi na recepção dois médicos conversando. Um de jaleco branco e o outro de sobretudo preto. Quando ele olhou para meu pai, tirou o sobretudo, jogando-o para a secretária e empurrando a maca com meu pai sumiu dentro da sala de cirurgia. Horas depois sai da sala e me diz: Chegaram em tempo. Ele vai ficar bom. Nesse dia salvou a vida de meu pai. Sou admirador e grato ao DOUTOR João Batista Marchesini, profissional com “P” maiúsculo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *