Nasci em 15 de novembro de 1934, em Curitiba, no Ahú de Baixo, a 200 metros do local em que o Papa rezou a missa em 1980 no Centro Cívico, bairro de poloneses e alemães. Era uma região muito importante, as ruas eram de barro, as casas de madeira.
Lembro-me, como se fosse hoje, com dois anos no colo de minha mãe Adelina, a segunda passagem aqui, em 1936, do dirigível Zepellin Heindenburg.
A vida era ilustrada pelo rádio, pois não tínhamos TV. O rádio exercia um fascínio muito grande, as novelas da Rádio Nacional, os jogos de futebol, traziam à nossa imaginação de como seriam as coisas, as cenas.
No cinema, identificava-me muito com os filmes do Woody Allen, O Vingador, Tarzan, etc. Também no rádio tinham os “Rádio Contos”, que levavam em média meia hora, quarenta minutos. Havia um programa famoso chamado “Atire a Primeira Pedra”, aos sábados, na Rádio Nacional do Rio. Paulo Gracindo era um dos atores, contador de histórias, como, por exemplo, a de um médico que teve que fazer um aborto. Dizia ele: “Se alguém quiser me punir que atire a primeira pedra”.
Quando fui para o Colégio Estadual do Paraná, já adolescente, me sensibilizava desde pequeno com o rádio; então, passei a trabalhar numa peça de teatro. Norberto Teixeira era o diretor, minhas falas eram pequenas, pois era gago, meu apelido era “Cá14”. Depois, um professor do Serviço Nacional de Teatro veio para Curitiba, tive com ele algumas aulas de dicção e superei a gagueira.
Aí foi o tempo da experiência no teatro amador, com Ary Fontoura, Odelair Rodrigues, Sinval Martins e outros. Nós levamos catorze peças de teatro, entre elas “É proibido suicidar-se a primavera”. Muito interessante essa peça, pois se passava em um hotel/hospital, onde um médico famoso tinha técnicas de suicídio, cuidando de pessoas com depressão muito grande, e eu era um dos personagens, chamado de “amante imaginário”. Na peça, os personagens, que eram aproximadamente nove, conversavam entre si, fazendo psicoterapia, terapia de grupo, até que cada um fosse melhorando. Então o enfermeiro principal do hospital disse que iria embora, pois fizera um curso de especialização na Alemanha para melhores métodos, e “aqui ninguém se suicida”. A ideia era informar que ninguém se suicida, pois, a vida é amor.
Em 1953, ganhei o prêmio de melhor ator pela atuação em “A importância de chamar-se Ernesto”, de Oscar Wilde.
Os ensaios do teatro eram feitos no Colégio Estadual do Paraná, ou na casa da irmã do Mazza, que ficava na esquina onde hoje é o Clube Concórdia.
Anos mais tarde, o nosso grupo inaugurou o pequeno auditório do teatro Guaíra. No terceiro ano de Direito, o Ary que também estudava para ser advogado, disse que ia para o Rio de Janeiro fazer teatro profissional, e me perguntou o que eu iria fazer. Disse-lhe que iria seguir carreira no Direito, e terminar o curso, que concluí em 1958, na UFPR. Não achava que era ator suficiente para largar o Direito e seguir carreira como o Ary fez. Achava que o Direito me daria mais segurança e também mais satisfação. Tinha, também, medo de romper o condicionamento com a família.
Apesar de não seguir carreira, tenho um envolvimento profundo com o teatro, tanto que, em muitas ocasiões, escrevo fazendo referências a ele. Isso me enriquece interiormente.
Mesmo tendo renunciado a vida artística, como ator, assinava uma coluna diária de teatro no “Diário do Paraná” (1955/1960) e também no caderno literário “Artes e Letras”, aos domingos, a convite do meu tipo inesquecível, o intelectual Eduardo Rocha Virmond.
No jornal, eu, que santo não era, “plantei”, na surdina, juntamente com o Luiz Geraldo Mazza, uma notícia fria na coluna social do Dino Almeida: “Tomando seu conhaque com leite quente, no hall do Rodoviário Hotel, o conhecido homem de negócios Ferreirinha em companhia da mulher Arlete de tal.” O tal “Ferreirinha”, na verdade, não passava de um famoso receptador, freguês da polícia. E o Dino, inocente, pagou a culpa, sendo multado pelo jornal. Mas eu e o Mazza rateamos a “multa”.
Foi importante toda essa experiência no jornal, onde estive de 1955 até 1960. A vida da redação tinha um cenário maravilhoso, as notícias vinham pelo teletipo, era uma sensação muito boa você ter a notícia e passá-la para o papel.
A primeira vez que fui ao “Diário do Paraná”, para fazer uma entrevista sobre um pianista que vinha a Curitiba, o empresário dele, um estrangeiro, começou a conversar comigo. Mostrou umas fotografias e eu passei a escrever à caneta, às 9 horas da noite e até as 11 o texto ainda não estava pronto. O redator-chefe cobrou-me: “Essa matéria não sai?” Já lhe entrego – respondi. Quando a matéria, de duas páginas, foi publicada no dia seguinte fora transformada em apenas uma legenda…
A época da redação foi iluminada, pois me fazia sentir que eu tinha certa importância. Não havia competição interna, não havia competição de “furo” de reportagem. Os jogos de futebol não eram todos os dias. Quando havia um Atle-tiba, os preparativos duravam uma semana e a espera era aquela emoção!
Mais tarde, em 1987, quando fui Secretário de Estado da Cultura do Paraná, promovemos grandes eventos culturais, revitalizando o Teatro Guaíra com espetáculos monumentais, sob a direção do Constantino Viaro. Nesse tempo, como Secretário, eu tinha um camarote reservado para mim. Mas, na minha ausência, um pessoal o ocupava clandestinamente para se divertir e fazer sacanagem. Fiquei preocupado, temendo que o jornalista Abdo Aref Kudri, dono do “Diário Popular”, um jornal de escândalos, publicasse uma manchete do tipo “Camarote do Secretário vira motel!”
Como Secretário de Estado, participei de um fórum de secretários de Cultura, prestando um depoimento sobre a necessidade das emissoras de rádio e televisão darem um espaço maior para a produção local de arte. Vivi intensamente a secretaria e foi nessa época que criamos o jornal literário “Nicolau”, considerado até hoje uma das mais importantes publicações do Paraná.
Em Londrina, numa apresentação da Orquestra Sinfônica, o ambiente era de revolta por atrasos de pagamentos do governo e o estopim estava aceso. Quando o prefeito tomou a palavra, a vaia foi ensurdecedora. E o próximo a falar seria eu. Já esperando uma vaia ainda maior, mas, assim que a plateia silenciou, fui curto e grosso: “Música, maestro!”
Como advogado, tive alguns casos curiosos. Num deles, acompanhei até a delegacia um cliente intimado por causa de um cheque sem fundo, que concordou em assinar uma nota promissória com juros, proposta aceita pelo credor. Na volta ao escritório, o mesmo cliente perguntou se eu fazia inventário. Claro! respondi animado, como qualquer outro advogado responderia. “Quanto o senhor quer para começar o inventário? Duzentos mil tá bom, doutor?” Concordei. Na saída, ele fez questão de pagar a minha ida à delegacia e preencheu um cheque. Nos despedimos e fui ao banco descontar. Quando entreguei o cheque no caixa a moça gritou para o gerente: “Lauro, mais um cheque do Coutinho!”
Em outra ocasião, meu cliente era réu num júri que seria em Paranaguá. Recomendei a ele que fosse bem vestido. Quando cheguei, imagine como ele estava? De smoking.
Termino este depoimento afirmando: Bendito o país em que os estudantes podem vaiar o seu presidente!
O jornalista Ayrton Baptista, em seu livro “O Jornal”, editado em 2009, destacou: “René, posteriormente viria a ser o aguerrido advogado dos perseguidos pelo regime militar de 1964”!
René é filho de Gabriel Dotti e Adelina Zulian. Em 1969, casou-se com Rosarita e tiveram dois filhos: Rogéria, advogada, e Claudia, veterinária. Seus netos são Pedro,Gabriel, Henrique e Lucas. René foi professor titular de Direito Penal da UFPR e classificou-se em primeiro lugar no Concurso Nacional de Letras Jurídicas, promovido pela Secretaria de Justiça do Paraná. Só no campo do Direito, sua rica biografia daria um livro de centenas de páginas.