O italiano Beppi é um dos milhares de filhos da Segunda Guerra. Conheceu o medo e a panela vazia. Em 1947, então ragazzo de 19 anos, deixou sua Pádua natal para, como se dizia, “fazer a América”. Passou 50 dias num navio, seu passaporte para o destino. Aproveitou o tempo livre para aprender algo como 50 palavras em português, incluindo a dificílima futchibol.
A viagem acabou numa fria e lamacenta Curitchiba de 180 mil habitantes, incluindo na conta uma fileira de Petrins e Jacomazzis, seus parentes. Visitou-os com devoção. Aceitou o que lhe ofereceram – a polenta e o radite, assim como um emprego de mecânico na André de Barros e um convite para se divertir no antigo Cassino do Ahú, então convertido em cabaré. Na oficina ficou um mês. No cabaré, digamos, até hoje.
Não é difícil entender por quê. Na Itália, Beppi tinha convivido com soldados americanos e deles aprendeu Night and Day, de Cole Porter. Virou sua moedinha da sorte. Tocou-a nas coxias para os maestros do Ahú. Foi o bastante para sair do restaurante direto para o palco. Nem piscou: o melhor prato da casa, um bife a cavalo, custava 2 cruzeiros. Cada participação na orquestra, 50. Ao contar para a família o quanto estava ganhando, bufou: “Conquistei a América…”
Publicidade
Beppi era um virtuose e boa pinta, o que lhe garantiu tocar também na Dakar e na Marrocos, na La vie em rose e na Helena Polaca. Mas sabia que não podia se entregar aos caprichos de artista. Era acima de tudo um imigrante, que cruzara oceanos para ter casa, carro e despensa cheia. Devia agir na música da mesma maneira que seus conterrâneos agiam nas mercearias. Suspeito que desse raciocínio nasceu o que podemos chamar de “práticas de comportamento operário aplicado ao mundo das artes”.
Basta se pôr em prosa com ele para entender. Ao mesmo tempo em que fala da noite em que tocou no Cine Ópera junto do Rei da Rumba, Xavier Cugat, um mito dos musicais da Metro, conta de ter empurrado o ônibus antes de um sarau em Irati. Recorda as parcerias com Ângela Maria e Sílvio Caldas. Junto, descreve as longas jornadas noite adentro, tocando com febre alta. Sobretudo, fala de como aprendeu a agradar à freguesia. É o que há.
De 1956 a 1964, Beppi animou as noites dançantes da Caverna, boate que funcionava no Clube Curitibano da Rua XV. Um grupo de 15-20 “moças desinibidas”, como diz ele, trabalhavam ali como taxi girls. Eram tiradas para dançar e um fiscal marcava a ficha das gurias a cada bolero, a cada samba-canção. Quem dançava mais chorava menos. Em meio a esse vaivém, o italiano observava que canções faziam requebrar as duras cadeiras dos curitibanos. Seu repertório de salão, claro, é infalível.
Beppi tocou Hello, Dolly para legiões de debutantes; Senza Fine para a turma da fossa. Mas nada se iguala a Champagne. Provoquei-o dizer que, de tanto repetir, sente enjoo e vontade de se matar logo aos primeiros acordes. Mas que nada. Jamais falaria mal do gosto do público. Sempre tocará Champagne como se fosse a primeira vez. Quem quiser ouvi-lo interpretando Porter ou Brubeck, que grude o ouvido na parede do Bourbon. Foi para estar com esses gigantes, no silêncio de seu apartamento, que trabalhou duro todos esses anos. É de direito.