Eu sou Carlos Rodolfo Sandrini. Arquiteto e Urbanista formado pela PUC-PR. Sou fundador, ao lado do meu sócio José Eldir Ost, do Centro Europeu, instituição que tenho a honra de presidir até hoje.
Nasci em 1956, em Braço do Norte (SC), uma pequena cidade agrícola, habitada por descendentes de imigrantes, onde muitos se comunicavam em alemão e outros em italiano. Sou o mais novo de oito irmãos, filho de Angelo Sandrini e Adir Westphal Sandrini. Me criei em uma bela casa, em frente à desproporcional igreja matriz, que podia abrigar o dobro da população do município. O repicar dos sinos, sempre infalível nas ave-marias, às 6h, às 12h e às 18h, era ouvido nas moradas mais distantes e, também, servia para determinar o horário de acordar, almoçar e jantar para toda a cidade.
Fui alfabetizado no pequeno e muito bem cuidado Grupo Escolar Dom Joaquim, única escola da cidade. Naquela época, a sede do município concentrava apenas algumas dezenas de casas no fundo de um vale muito verde, cortado por um belo rio, aos pés da Serra do Mar. Nasci e passei minha infância nessa que considero uma das mais belas paisagens do mundo, fazendo aquilo que toda criança sonha fazer: tomar banho de rio, subir montanhas, desbravar cavernas, pescar, caçar, conviver com animais domésticos e selvagens ao lado de muitos amigos e de uma família grande e feliz.
A realidade em Braço do Norte era bem diferente das capitais onde eu e meus irmãos estudamos posteriormente. Não havia telefone, televisão e a energia elétrica estava disponível só das 18h às 22h. A falta de eletricidade marca muitas das minhas lembranças. Lembro do Sr. Evaldo Speck, dentista e dono da tecelagem, tratando nossos dentes com a broca movida a pedal. Enquanto tratava os dentes, suava e pedalava num ritmo frenético.
Havia o cine Guarani, que passava filmes muito antigos e que muitas vezes ficávamos sem ver o final, pois a energia elétrica acabava antes. A chegada do circo na cidade era sempre a maior atração que poderíamos sonhar. Outros grandes momentos ficavam por conta das festas da igreja, que aproximavam os moradores da área rural com os do centro. Nestes dias, toda a praça da igreja ficava tomada pelas centenas de aranhas – nome dado às charretes – e pelos carros de boi. Esse era o meio de locomoção de todos. Em volta da igreja rifavam-se galinhas, porcos, cabritos e bois.
Minhas memórias mais remotas são da nossa grande casa, com muitos cômodos, onze quartos, pois antes havia sido o hotel da cidade. Lembro bem do grande e desafiador quintal, com um riacho ao fundo, grandes pés de peras, maçãs, muitos espécimes de limão e laranja, figos, abacates, uvas e frutas do conde. Dos canteiros de rosas, margaridas, zabumbas e dálias. Do barulho festivo das galinhas, perus, angolistas e garnisés. Dos cachorros e dos incontáveis gatos que eram constantemente enxotados de dentro de casa. E as estrebarias para as vacas que eram trazidas do pasto, diariamente, pela manhã e à noite, para serem ordenhadas e nos abastecer de leite fresco. Do rancho afastado da casa, feito para abrigar o forno gigante, especialmente para assar pães. De uma das cozinhas com o fogão à lenha sempre em labaredas, com panelas fumegantes exalando aromas deliciosos, do nascer do dia até tarde da noite. Do meu pai, com seu maravilhoso sotaque italiano, trabalhando e falando muito, admirado e respeitado por todos. Da minha mãe, onipresente, administrando os negócios junto com meu pai, coordenando a casa e incentivando os mais belos sonhos para todos os filhos.
As refeições eram com mais de 10 pessoas à mesa, às vezes 15, ou 20, quando vinham os amigos. No final da tarde, antes dos sinos da igreja terminarem o Angelus, estávamos todos em volta da grande mesa, falando alto e ao mesmo tempo. Nossa alegria contrastava com a sisudez do afresco da Santa Ceia, pintado em toda extensão da parede da sala de jantar pelo mesmo pintor que veio da Alemanha para decorar a igreja. Depois íamos para a grande sala, com muitas janelas e cortinas de veludo vermelho e sofás floridos, querendo aproveitar todos os momentos em que ainda havia eletricidade. Era quando, na eletrola, tocavam os discos que meus irmãos traziam de Curitiba ou Florianópolis. Lembro deles cantando, fazendo duetos e ensaiando os novos passos de twist ao som do Chubby Checker. Quando a luz piscava, no primeiro sinal de que a energia terminaria em meia hora, ainda dava tempo de colocar outro disco e ver meus pais dançarem de rosto colado um romântico bolero.
Minha mãe, visionária, sempre procurou nos oferecer a cultura que ela só conhecia dos filmes do cine Guarani e da biblioteca da Casa Paroquial. Me fazia ter aulas particulares de inglês com o delegado da cidade, Dr. Arno Schmidt, aulas de violão com o nosso vizinho, Pedro Michels, e aulas de acordeom com meu primo Wilson Westphal, o prefeito da cidade.
Minha introdução ao mundo da leitura também foi peculiar. Antes de eu ser alfabetizado, meus pais pediam para minha irmã Marly ler para mim livros de aventuras. Ela começava lendo algo do meu interesse e logo passava para o livro que ela preferia, mas ainda em voz alta, para meus pais não perceberem. A paixão dela pela literatura de qualidade me contagiou, da mesma forma que ela havia sido contagiada pelos nossos outros irmãos. Eu devorava livros. Antes dos 11 anos, quando fui para o colégio interno, já tinha lido toda a pequena biblioteca da Casa Paroquial. Inclusive, muitos livros com passagens eróticas que o Padre Valentim Oenning teria queimado se soubesse! Mas também li as principais obras clássicas que, sem saber da sua importância, não me preocupei em guardar título ou autor. Era puro prazer!
Nos anos 1950 e 1960, em Braço do Norte, ter um curso superior, mais do que parecer impossível, parecia desnecessário. Porém, nada demovia meus pais da ideia de nos propiciar um estudo de qualidade. Mesmo com as escolas de ensino médio e as faculdades mais próximas ficarem a centenas de quilômetros de onde morávamos. Chegar até Curitiba levava dois dias, incluindo dormir uma noite no banco da rodoviária de Florianópolis. Assim como era com meus outros irmãos, aos 10 ou 11 anos de idade, eu viajava sozinho, com o dinheiro para os próximos quatro meses costurado no forro da calça e duas malas quase do meu tamanho. Nunca tivemos qualquer problema nessas viagens.
O momento de ir morar no colégio interno e deixar por longos períodos as pessoas que mais amava era aguardado com um misto de terror e desejo. Desde tenra idade eu ia me conformando com essa realidade. Nossa casa vivia dois momentos bem distintos. O de felicidade, quando meus irmãos voltavam para casa nas férias, com festas, discussões acaloradas, música alta, proliferação de amigos e descobertas que eram regadas à alegria e que fascinavam a todos. E o de tristeza quando se aproximava a hora de voltar. Uma tristeza que inundava a casa, que dias antes transbordava de alegria. Assistia minha mãe arrumar, com lágrimas nos olhos, as enormes malas com o enxoval para os quatro meses letivos. Era o tempo até as próximas férias. Quatro meses de muitas saudades intercalados com a alegria das visitas e das cartas que chegavam regularmente, retratando um mundo desconhecido para mim, mas que sabia ser meu destino também.
No ano de 1968, aos 11 anos, chegou a minha vez de partir. Era hora de procurar o melhor colégio interno que existisse, assim como havia sido para meus irmãos. Meu querido e inesquecível cunhado, Giacomo Bassi, levou impressos do Colégio Internato Paranaense, dos Irmãos Maristas, atual Colégio Marista Paranaense. Me contou tudo sobre sua centenária história e sobre todas as personalidades que ali havia estudado. Entre elas a que mais me fascinou foi o presidente Jânio Quadros, um udenista como meu pai.
Giácomo me deixou tão entusiasmado com o que iria encontrar, que vim dois dias antes das aulas iniciarem. Nunca deveria ter feito isso. Se hoje o Colégio Paranaense está no Batel, naquela época a referência era ser bem próximo da cidade, ainda que ele continue no mesmo lugar. Cheguei num final de tarde e fiquei parado em frente a um portão de ferro com dois grandes cachorros me encarando do outro lado. Foram 5 minutos angustiante, até ser recebido por um senhor mais arisco que os cachorros e que me encaminhou ao dormitório. Fui para a Divisão dos Menores. Sendo o primeiro a chegar pude escolher uma das 80 camas exatamente iguais, em um único salão. Escolhi um dos 80 armários, também iguais, e menores que a minha mala. Fui para a sala de estudos e escolhi uma das 80 mesas de trabalho.
Se tudo parecia gigante, aumentou ainda mais de tamanho na hora que tocou o sinal para o jantar. O refeitório unia as três divisões de alunos: menores, médios e grandes. Um refeitório com 240 cadeiras distribuídas em 60 mesas. E eu jantei sozinho. Foi o início da primeira grande mudança na minha vida. No lugar de 8 irmãos, passei a conviver com centenas de rapazes adolescentes. O carinho dos meus pais foi substituído por toda espécie de bullying. A liberdade que havia na minha pequena cidade foi trocada por muros altos, grades de ferro e disciplina similar ao exército.
Se os primeiros momentos no internato foram trágicos, os 6 anos seguintes foram uma grande experiência, algo fantástico. Por vezes triste, mas sempre rico em conhecimento, relações humanas e muito aprendizado. Meus pais tinham razão. Valeu a pena, apesar da sofrida e permanente saudades de casa. Acredito que correspondemos a todos os sacrifícios que eles fizeram.
Meu irmão Romolo foi o primeiro médico nascido em Braço do Norte. Meu irmão Vilson o primeiro bioquímico. A Mírian foi a primeira jornalista. O Wolney foi o primeiro administrador. Eu, o primeiro arquiteto. Incontáveis o número de vezes que ouvia meu pai contar isso para todos que conhecia. Nessa hora, ele não conseguia disfarçar o orgulho, mas humildemente completava: mérito da minha esposa!
De oito irmãos, sete de nós, em algum momento da vida, deu aulas. Que orgulho: fomos professores! Minha irmã Zely não deu aulas, mas publicou belos livros de poesias e continua a escrever. Minha irmã Esly, foi professora e diretora do único colégio de Garopaba durante 30 anos. Alfabetizou uma cidade! Assim como ela, o Vilson, o Romolo, o Wolney, a Marly, a Mírian e eu fomos professores e temos histórias maravilhosas para nos orgulhar.
Depois de me formar em arquitetura, exerci diversas atividades e ocupei muitos cargos.
Fui diretor do patrimônio histórico e cultural de Santa Catarina, diretor de turismo de Florianópolis, presidente do Instituto Vêneto no Brasil e Presidente da Câmara Ítalo-Brasileira no Paraná. Mas minha maior realização veio com a criação do Centro Europeu, em 1991, na cidade de Curitiba.
Ele nasceu inspirado na obsessão dos meus pais pela educação. Junto com meu maravilhoso amigo e parceiro de todas as horas, José Ost, fundamos a primeira escola de economia criativa do Brasil. Implantamos dezenas de cursos inéditos, logo copiados por diversas universidades. Um contrassenso, pois criamos o Centro Europeu de forma a ser mais rápido, ágil, prático e eficaz que as faculdades.
Tenho a alegria de ganhar a vida exercendo a profissão de educador. De fazer parte de uma equipe que se dedica ao nobre ofício de ensinar, que vai além dos nossos professores, mestres, doutores e grandes estrelas de várias áreas do mercado. No Centro Europeu, todos trabalham com muito amor, profissionais que atuam nas secretarias, os administradores, os zeladores, os gerentes, os coordenadores, os supervisores e os diretores.
Eles transformam em realidade o sonho dos milhares que se formam no Centro Europeu e constroem um futuro melhor. Eles transformaram em realidade o sonho que comecei a sonhar em 1991.