Tudo começou com as radiografias. Certo dia, o dentista curitibano Carlos Renato Fernandes percebeu que ficava horas demais observando as chapas de raio-x. A vida registrada ali o encantava. Convencido disso, em 1983 largou o consultório, os pacientes e a faculdade de medicina que cursava. Comunicou a todos que precisava de “ar fresco” para sobreviver. Com uma máquina Hasselblad a tiracolo, passou a fotografar o cotidiano, mas sempre com uma quedinha por cenas da natureza.
Membro do Foto Clube do Paraná desde 1980, começou a inscrever seus trabalhos em concursos nacionais e seu nome ganhou projeção. Mas Carlos Renato queria mais. Decidiu então estudar mais profundamente a nova atividade. “Literalmente eu transformei meu hobby em profissão e tive que aprender tudo sobre foto”, revela. Com o passar dos anos, tornou-se um dos grandes fotógrafos paranaenses de natureza, cujo trabalho – várias vezes premiado – chama atenção pelo foco e pela originalidade. “Eu tentava ver as coisas de um jeito diferente”, simplifica.
De certa forma, saber ouvir e respeitar o ritmo da natureza sempre foi uma das virtudes de Carlos Renato. “Quando era pequeno, ganhei o apelido de Tarzan. Foi nessa época que aprendi a respeitar e a entender que o equilíbrio existe. Aprendi que é (uma relação) desigual, pois o homem é o grande predador”, analisa. E tal como o herói selvagem criado pelo americano Edgar Rice Burroughs no início do século 20, Fernandes aprendeu a ter paciência e a conviver com a solidão em seu trabalho. “Na natureza a gente é mais visto que vê. Tenho muito respeito por isso. Se vir uma onça, corro para um lado e, com certeza, ela corre para o outro”, diverte-se.
TRAJETÓRIA – Foi na Gazeta do Povo, entre 1982 e 1986, que Carlos Renato Fernandes começou a tornar público seu trabalho. Ele criou a coluna “Foto Clube em Foco”, na qual mostrava curiosidades sobre a arte de fotografar.
Além das conversas matinais com os leitores, ele também queria eternizar sua arte através de livros e outras publicações. Surgiu então a oportunidade de viajar pelo estado e registrar suas belezas naturais.
O primeiro livro de Carlos Renato, “O Paraná”, foi publicado em 1987 e atualmente já está na terceira edição. Depois vieram: Ferrovia Paranaguá-Curitiba (1995); Floresta Atlântica – Reserva da Bioesfera (2003); e Curitiba-Brasil (2007) – utilizado como presente oficial da cidade. “Esse último, sem dúvida, é minha obra-prima”, sentencia.
Surpresas – Do alto de seus 72 anos(2009), este apaixonado por beija-flores conta que ainda se surpreende com a Mãe Natureza. “A dificuldade para encontrar determinada imagem hoje faz parte de um ritual, pois o bicho se assusta com os olhos da gente. Isso só fui aprender estando em meio à natureza, observando, esperando”, explica. Só não lhe peça para trocar o isolamento da mata pelas grandes multidões: “Não me importo de dividir o espaço, mas tem que ter respeito. Estar no meio de muita gente é complicado. Deus me livre!”
A família, diz ele, já se acostumou ao ritmo e à ausência de seu ilustre membro. “Minha mulher gosta de ser aquela avó mesmo, e não implico com o crochê dela. Cada um fica no seu mundo. Mas estar em casa sempre é muito bom”, garante. Pergunto sobre a vida na cidade. Fernandes passa a mão nos cabelos brancos e, depois de um longo suspiro, desabafa: “Eu vejo o mundo de maneira diferente, me incomoda, não sou mais um ser urbano. Sei que, às vezes, a gente precisa pegar um cineminha, um teatro, colocar uma roupa mais ajeitada (aponta para o tênis com barro). Não sou mais da cidade, mas também não sou um bicho-grilo”, arremata.